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1 de Maio de 2024

Testamento vital no panorama jurídico brasileiro

Conceitos e características.

há 8 anos

É de suma importância, atualmente, para o contexto jurídico no Brasil, conceituar o instituto do Testamento Vital, e apresentar suas principais características dentro do panorama legislativo brasileiro, a fim de esclarecer este controverso assunto, que possui impactos em temas delicados, como na ortotanásia e na eutanásia.

A fim de situar brevemente o panorama do Direito das Sucessões brasileiro, matéria amplamente relacionada com o tema do presente trabalho, tem-se que, de acordo com Flávio Tartuce (1), o testamento é:

“Negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável, pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial ou não, para depois de sua morte”.

Assim, por ser um ato individual e personalíssimo, não se admite testamento em conjunto ou por procuração, sob pena de nulidade do ato.

Desta feita, tem-se que o Código Civil brasileiro contempla três formas comuns ou ordinárias de testamento: o testamento público, cerrado e o particular; cada qual com suas particularidades, exigindo formalidades das quais não se podem prescindir, sob pena de nulidade.

Assim, adentrando-se na seara do Testamento Vital em si, tem-se, em um conceito amplo e abrangente, que tal consiste em um documento devidamente assinado, em que o interessado juridicamente capaz declara a que tipo de tratamento médico deseja ser submetido ao se encontrar em situação que impossibilite a sua manifestação de vontade, podendo se opor a futura aplicação de tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem sua vida em detrimento da qualidade da mesma.

Assim, diante da possibilidade de manifestação da pessoa consciente sobre os tratamentos médicos a serem utilizados em momento futuro, enquanto não puder manifestar sua vontade, surge a questão da vontade antecipada do paciente, que comumente ocorre por meio do já definido Testamento Vital.

Importante destacar que o Testamento Vital não se confunde com o testamento civil. Como já delineado acima, brevemente, pelas palavras do professor Flávio Tartuce, tem-se que, em outras palavras, o testamento civil é:

“O negócio jurídico unilateral e de natureza personalíssima por meio do qual se opera a transmissão dos bens com a morte do testador em prol dos seus sucessores livremente indicados” (2).

Assim, pode-se dizer que, pelo testamento civil, há a declaração de última vontade com relação a transmissão de bens, de modo que o testador, de acordo com os limites da lei, estabelece o destino de seu patrimônio, no todo ou em parte.

Já no que tange ao testamento vital, tem-se que este consiste numa “declaração escrita da vontade de um paciente quanto aos tratamentos aos quais ele não deseja ser submetido caso esteja impossibilitado de se manifestar” (3).

Cuida-se, portanto, ao extrairmos o significado dos conceitos acima explícitos, de um documento escrito pelo qual a pessoa expressa sua vontade com relação ao tratamento e intervenção médica que deseja ou não se submeter, indicando, por exemplo, os tipos de doença que recusa ser tratado; se prefere que sua vida seja preservada a qualquer custo ou se dispensa os cuidados paliativos; do mesmo modo, sua negativa a determinadas intervenções cirúrgicas invasivas; na mesma seara, ainda, é possível designar um médico de confiança para o tratamento.

Em outros termos, tem-se que o já citado instituto tem por finalidade registrar a linha de conduta a ser seguida pelo médico nas hipóteses de inconsciência do paciente, que fica impossibilitado de exprimir sua vontade pelo estado de incapacidade, explícita nos casos de perda de consciência, sem a possibilidade de recuperá-la, como, por exemplo, o que ocorre nos casos de coma, ou mesmo quando houver lesão permanente no cérebro; ainda, diante da ausência das funções vitais; ou, na presença de sequela que torne a vida do paciente impossível sem o auxílio permanente de uma pessoa que tome os devidos cuidados para com a pessoa doente.

Assim, é importante salientar que no testamento vital há a manifestação das diretrizes antecipadas pelo paciente, mas que observa determinada forma para que o consentimento não seja eivado de dúvidas. Em que pese inexistir forma prescrita em lei, recomenda-se que seja este “reduzido a um documento escrito, subscrito por testemunhas, como maneira de viabilizar a prova do fato jurídico” (4), apesar de ser possível a adoção de outras formas menos usuais, como a gravação em vídeo, adotado por alguns defensores desse instituto.

Não poderíamos, neste controverso tema em análise, deixar de citar o Professor português Rui Nunes, importante e famigerado doutrinador acerca do presente instituto. Dessa forma, tem-se que este propõe a observância de alguns princípios, para a validade jurídico-normativa do Testamento Vital, quais sejam: que esteja limitado a pessoas maiores, capazes e que não estejam acometidas por anomalia psíquica; que haja informação e esclarecimentos adequados, por intermédio de um médico com formação técnica apropriada para tal; que enseje em efeitos compulsórios para a equipe médica e não meramente indicativos; existência de um formulário modelo, com a finalidade de padronizar os procedimentos a serem realizados; que haja possibilidade de revogação, a qualquer momento e sem qualquer formalidade; que exista uma renovação periódica da manifestação de vontade e que poderá se dar por prazos determinados; certificação devida perante o Tabelião para garantir a autenticidade e evitar influências indevidas na decisão pessoal; e, finalmente, a criação de um órgão governamental para registro, facilitando o acesso pelos profissionais de saúde. (5)

Tais diretrizes traçadas pelo douto professor português são de extrema importância para tal instituto, pois definem princípios basilares para que tal possa ser observado sem ilegalidades e possíveis indisposições.

Ademais, endente-se que não há momento específico para a elaboração do testamento vital, podendo, inclusive, ser realizado nos momentos finais de vida do paciente, desde que este esteja no pleno exercício de suas faculdades mentais. Tal poderá ser atestado por um médico, tabelião ou pelas testemunhas que presenciaram o ato.

Tem-se que esta declaração pode ser revogável a qualquer momento, mesmo que não haja revogação expressa e, ainda assim, seria preciso examinar em cada caso grave, se, nas circunstâncias dadas, deseja realmente o paciente perseverar sua vontade anteriormente manifestada, tornando-se tal análise deveras controversa.

Assim, diante do estado de incapacidade do paciente, para conferir eficácia a tal instituto em debate, é importante que haja a nomeação de um procurador, ficando este responsável por informar o médico desta manifestação de vontade, assim como exigir que sejam devidamente cumpridas as determinações nela contidas. Por questões éticas, o médico não poderá figurar como procurador. O dever ético do médico de observar a vontade do doente se encontra disciplinado em Resoluções do Conselho Federal de Medicina, notadamente a número 1.995/2012, que dispõe especificamente sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Controversa resolução leva em conta a relevância da autonomia do paciente no contexto da relação com o médico e os novos recursos tecnológicos que permitem a adoção de técnicas médicas desproporcionais e que tão somente prolongam o sofrimento da pessoa em estado terminal, sem trazer-lhe qualquer benefício.

Portanto, como já mencionado anteriormente, tem-se que, em que pese a inexistência de legislação a respeito, é certo que o testamento vital possui valor no campo jurídico, haja vista que esta vontade deve prevalecer desde que haja uma declaração válida e eficaz, uma vez que possui seus fundamentos na autonomia de vontade e na dignidade da pessoa humana, devendo esta ser considerada, sem sombra de dúvida, uma importante forma de testamento e conter a proteção necessária, já que possui impactos em temas delicados, como a ortotanásia e a eutanásia.

Bibliografia utilizada:

(1) TARTUCE. Flávio; SIMÃO José Fernando. Direito Civil – Direito das Sucessões. 5ª edição. São Paulo: Método, 2012, volume 6.

(2) LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, volume 5, 5ª edição, 2009, p. 373.

(3) LIPPMANN, Ernesto. op. Cit., p. 17.

(4) DIAS, Roberto. O direito fundamental à morte digna: uma visão constitucional da eutanásia. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 195.

(5) NUNES, Rui. Testamento Vital. Coimbra: Almedina, 2012, p. 128-129.

Advogado Igor Galvão.

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